PAS e seu papel na reinvenção do mundo do trabalho

Fábio Cunha
11 min readNov 3, 2020

“Você não muda as coisas lutando contra a realidade atual. Para mudar algo é preciso construir um modelo novo que tornará o modelo atual obsoleto.” Richard Buckminster Fuller

Trabalhar em uma grande corporação com seus ambientes ruidosos, metas por produtividade, hierarquia opressora, falta de flexibilidade, marketing pessoal, falsos valores e missões que não se sustentam é um dos grandes desafios para as Pessoas Altamente Sensíveis.
A sensação de desencaixe, de esgotamento, é muito comum, e muitos chegam a pensar que nunca vão conseguir construir uma carreira e não acreditam que podem promover uma mudança na forma como as coisas funcionam atualmente.
Muitos PAS relatam que enxergam muitos anos à frente, sabem o que vai acontecer em uma empresa e não são compreendidos ou ouvidos quando tentam avisar, também possuem uma habilidade especial em identificar jogos psicológicos, manipulações e competição desleal.
Tudo isso gera muita frustração, passamos a acreditar que as empresas não são uma força do bem no mundo, que não temos opções, com isso vamos perdendo a satisfação, a sensação de pertencimento e motivos para acreditar que o que fazemos é importante e o trabalho perde seu propósito.

Este tema da relação com o trabalho, tem sido um dos grandes desafios da minha vida, e conforme fui encontrando formas de lidar positivamente com minha sensibilidade, aprendendo a me respeitar, uma luz no fim do túnel foi surgindo, conheci muitas iniciativas de transformação das organizações e passo a passo fui me permitnido fazer parte desse movimento. Com este artigo, quero trazer uma pouco de luz para esta questão e mostrar que não só é possível, mas que temos um papel fundamental na criação de um novo mundo do trabalho, mais humano e que sirva à toda humanidade.

Os super poderes PAS

As Pessoas Altamente Sensíveis absorvem tudo ao seu redor, especialmente as sutilezas que a maioria não percebe. Esta percepção aliada ao processamento profundo dos estímulos, traz às PAS uma capacidade rara, quase mágica, é como se elas percebecem as raízes crescendo embaixo da terrra, muito antes que o broto de uma árvore comece a aparecer, as PAS já enxergam a grande árvore que vai nascer antes de todo mundo.
E isto se aplica a tudo o que se passa em um ambiente de trabalho, problemas que vão explodir, mudanças no mercado, soluções para grandes problemas que precisam ser executadas.
Outro super poder PAS é a intuição. A maioria de nós tem forte intuição, que a dra Elaine Aron define como, “saber o que você sabe sem sempre saber como você sabe disso”. Nós simplesmente sabemos.
Por exemplo, na minha experiência tendo a saber o que é importante ler ou pesquisar. É como se eu soubesse com antecedência as informações que vou precisar usar no futuro. Tendo a encontrar com muita facilidade as informações de que preciso. É algo quase sobrenatural. Tudo o que faço se conecta.

A empatia é outra característica comum às PAS, elas se importam verdadeiramente com o sentimento das pessoas ao seu redor.
Muitas vezes percebem sentimentos e necessidade não expressadas.
Nada passa desapercebido, quando uma PAS se conecta com uma pessoa, existe uma conexão real com troca real de informações, fatos, opiniões, sentimentos, emoções. As pessoas que entram em um diálogo verdadeiro nunca são as mesmas que saem, sempre há algo novo, um novo aprendizado, uma nova visão, um novo sentimento.

Esta combinação permite às PAS perceber qual é o futuro que quer emergir, o futuro desejável aquele em qual o sistema funcione da melhor forma para todas as pessoas e para as organização.
No ambiente de trabalho, são grandes sensores que sabem como está o clima da empresa, sentem o que está se formando e também bússolas que apontam a direção para o melhor futuro que pode ser criado para solucionar os problemas atuais,

Rebeldes Diplomáticos

Um sentimento natural em toda PAS é que parte do que somos não se conforma com as normas convencionais ou com a visão estabelecida de mundo. As normas de funcionamento da sociedade muitas coisas não fazem sentido para as PAS que percebem as incoerências, as falhas no modelo atual e também tem dentro de si as idéias de novas formas de funcionamento do sistema.
Esta parte de nós é o que nos impulsiona a inovar, sermos originais, impulsionar novos movimentos e provocar novas mentalidades. É o que nos incentiva também a buscar a liberdade, para que possamos cada vez mais atuar baseados nas nossas motivações internas e não nas regras impostas pelo exterior.

David Garam, ex- diretor senior de inovação da Lego, cunhou o termo Rebeldes Diplomáticos para definir aquelas pessoas com habilidades de inovação e com capacidades diplomáticas para conduzir estas mudanças, segundo David, estão são os agentes de mudança que podem conduzir grandes transformações nas organizações.
Os rebeldes diplomáticos equilibram a mentalidade do rebelde com as habilidades do diplomata.

  • Capacidades Diplomáticas — Entender as regras, navegar bem entre diferentes pessoas, cuidar das relações
  • Habilidades dos Rebeldes — Desafiar status quo, não aceitar as coisas como elas são, questionar “Por que não?”

PAS naturalmente trazem em si estas habilidades diplomáticas, tem um estilo suave e sútil, com a tendência de serem guiados por valores éticos profundos, levando em consideração todas as pessoas envolvidas nas mudanças e colocando o senso de propósito acima do ganho pessoal imediato.
As PAS também buscam constantemente novos conhecimentos, culturas e experiências, se tornando excelentes conselheiros com a habilidade de navegar em diversas áreas e construir pontes de diálogo com pessoas totalmente diferentes.
Considero que a grande chave para as PAS ativarem este Rebelde Diplomático é valorizar e equilibrar de maneira saudável seu lado questionador e inconformista com sua diplomacia natural e aprender a expressá-la.
A Comunicação Não Violenta pode ser uma excelente ferramentas para auxiliar nesta expressão.

Mas afinal, para qual direção devem ir as organizações?

A cada nova etapa do desenvolvimento humano, em cada grande transformação da sociedade também vem a tona novas capacidades de colaborar provocando o surgimento de novos modelos organizacionais.
As organizações como as conhecemos hoje são simplesmente a expressão da visão de mundo atual da maior parte da humanidade, nosso estágio atual de desenvolvimento.
Estamos em uma transição para um novo estágio de consciência e esta transição não acontece repentinamente, seus pilares são construídos por aqueles pioneiros que conseguem sentir antes que todos as características desse novo estágio e passam a construir passo a passo novas formas de organização para trabalhar e vivermos juntos nesta terra.

Para as PAS há uma bussola interna que aponta a direção para este novo estágio, para uma forma de trabalho que faça mais sentido, que acolha diferentes necessidades, que sustente os valores éticos profundos que carregamos.
Acredito que as pessoas altamente sensíveis sempre estiveram presentes nesta transição, sentindo os sinais do futuro indicando os caminhos para o próximo estágio de consciência ao longo da história da humanidade, era após era.

“Você nasceu para estar entre os conselheiros e pensadores, os líderes espirituais e morais de nossa sociedade. Existem todos os motivos para se orgulhar disso. “
―Dr Elaine N. Aron

No livro Reinventando as Organizações, o autor Frederic Laloux utiliza o modelo de evolução baseado na teoria das espirais dinâmicas, onde o desenvolvimento da conscieência humana é expressada por níveis representados por cores. Cada nível tem suas características próprias referentes à visão de mundo e formas de organização. Todos os níveis tem suas luzes e sombras e sempre o novo nível é uma evolução que inclui e transcende os níveis anteriores.

No início do livro ele mostra a evolução das organizações ao longo da história da humanidade, conforme figura abaixo, buscando identificar quais são as características do próximo nível, que é chamado de Teal (uma cor próxima ao azul esverdeado ou turquesa).

Laloux fez uma extensa pesquisa com mais de 100 organizações ao redor do mundo que estão rompendo paradigmas da gestão do trabalho e operando com práticas mais humanas e conscientes.
Foram consideradas organizações de diversos segmentos e tamanhos e embora cada uma tenha inovado em suas práticas de maneiras diferentes, de acordo com sua realidade e cutura local, três características são comuns a todas elas e entendemos como os pilares das organizações do próximo níevel Teal: Autogestão, Propósito Evolutivo e Integralidade.

Autogestão: Significa o fim da hierarquia tradicional que conhecemos hoje, onde uma pessoa tem o poder sobre a outra, decidir como a outra pessoa deve realizar o seu trabalho e tem o poder de premiá-la ou puní-la. Não é simplesmente a substituição da hierarquia por uma estrutura onde todos são iguais e decidem tudo democraticamente, pois buscar o concenso de um grupo a cada decisão também seria totalmente ineficiente.
A autogestão é um onjunto de práticas e acordos que buscam distribuir a autoridade, formando uma estrutura organizacional que não exige que todos tenham o mesmo poder de decisão e autoridade, apenas deixa claro como isso é feito e impede a relação chefe-subordinado.
Estas empresas seguem modelos onde os times se auto-organizam tomando decisões importantes, por exemplo, como o trabalho será feito e coordenado, horário e de onde vão trabalhar, até as metas e os próprios salários são definidos em conjuntos pelos colaboradores. As novas idéias podem ser levadas adiante sem a aprovação de superiores ou necessidade de consenso.
As palavras chaves são autonomia e autoresponsabilidade.
A autogestão é muito benéfico para as PAS e estas também podem contribuir muito para que a autogestão funcione em uma organização.
PAS geralmente não se dão bem com estruturas hierárquicas, com muitas regras e cobrança e precisam de autonomia para fazer o trabalho do seu modo, e quando tem isso, o fazem com excelência. São muito conscientes da entrega que precisam fazer e da interdependencia de seu trabalho com o trabalho dos outros, sem a necessidade de serem cobrados.
Com a autogestão, PAS podem produzir o seu melhor trabalho e sua motivação virá da liberdade de não mais precisar lutar para subir a escada de uma carreira hierárquica.

Integralidade: As organizações tradicionais sempre foram lugares que encorajam as pessoas a mostrar estritamente o seu lado profissional e deixar todo o resto do seu ser na porta da empresa. Uma metáfora utilizada no livro é que existe um armário onde as pessoas deixam suas histórias, suas emoções, sua humanidade guardadas antes de passar pela catraca da entrada.
As organizações tradicionais muitas vezes obrigam as pessoas a demonstrar determinação e força, e esconder as dúvidas e sua vulnerabilidade.
A racionalidade é a regra máxima enquanto a parte intuitiva, espiritual e emocional é indesejável.
As organizações Teal desenvolveram um conjunto coerente de práticas que nos convidam a recuperar a nossa integridade interior, existe espaço e incentivo para que as pessoas demonstrem a totalidade do seu ser.
O desenvolvimento de conexões profundas e empáticas entre as pessoas são estimuladas, com espaço para cuidar das emoções.
A intuição é vista como grande aliada da criatividade e das decisões.
Diversas práticas espirituais como meditação são incorporadas aos rituais diários do ambiente de trabalho.
Enfim, as Pessoas Altamente Sensíveis poderão ser elas mesmas por completo em seus trabalhos, e poderão através da sua sensibilidade e empatia, auxiliar e acolher as outras pessoas a expressarem o seu ser por inteiro.

Propósito Evolutivo: As organizações Teal são vistos como tendo uma vida
e um senso de direção própria. Em vez de seguir regras do mercado, tentar prever e controlar o futuro, os membros da organização são convidados a ouvir e entender o que a organização quer se tornar, que finalidade ele quer servir. Como um grande organismo, cada parte é envolvida neste propósito , existe um alinhamento com o propósito individual de cada pessoa.
Durante as entrevistas para contratar novos funcionários, os propósitos e valores são debatidos, e é um dos principais fatores que o candidato deve ter em comum com a empresa.
Os indicadores de sucesso destas organizações, não se baseiam em meros números, mais no avanço em direção a este propósito.
O propósito é considerado evolutivo, pois evolui com o tempo, assim como as pessoas evoluem atingindo novos níveis de consciência, as empresas também evoluem. O trabalho também deve servir à evolução pessoal de cada um, permitindo que as pessoas realizem um trabalho que permita a expressão e o amadurecimento da vocação que cada ser humana tem, o papel que está destinado a realizar no mundo, servindo à sociedade.
Pessoas Altamente Sensíveis são motivadas por criatividade, originalidade e integridade. Para elas é essencial que o trabalho realizado tenha importanica real, elas querem olhar para trás em sua vida e ver uma carreira que significou algo para si mesmo e para o mundo e não foi simplesmente uma corrida sem sentido para receber seu salário.
PAS sentem esse chamado interior pulsando em seus corações, querem servir a esse chamado, querem guiar suas decisões baseadas nesse chamado, quando este chamado se conecta ao chamado de uma organização e o serviço que ela oferece à sociedade, a PAS se sente nutrida e energizada ao realizar o seu trabalho que vai trazer os desafios necessários para sua evolução como ser humano e espiritual.
A vocação das PAS é serem sábios, curadores, conselheiros reais, independente de qual carreira e profissão sigam, é de sua natureza trazer a reflexão para a sociedade, para que as decisões não sejam tomadas somente baseadas na frieza dos números práticos, mas levem em consideração as pessoas, aspectos históricos e tendencias futuras.

Chegou a hora de um novo modelo de liderança

“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” — Stan Lee

Se nós PAS, estávamos esperando o momento certo, para nos revelarmos para o mundo, acredito, este momento chegou.

Se as empresas já estavam em uma transição para novos modelos de trabalho, a pandemia causada pela Covid-19 acelerou as mudanças.
Todas as empresas estão precisando se reinventar, mudar a forma que estavam acostumadas a trabalhar, o trabalho remoto a partir de casa se tornou uma realidade para a grande parte das profissões e organizações.
Uma mudança causada por uma doença que traz além do medo, grande impacto na vida pessoal dos trabalhadores, afastados das pessoas queridas e tendo que lidar com trabalho, cuidar da casa, das crianças, sem muitas vezes poder ter momentos de lazer, trouxe também a tona a importancia de cuidar da saúde mental das pessoas, de lembrar constantemente que estamos lidando são seres humanos, cada um com seus desafios.

Esta nova realidade tem exigido novos olhares para a gestão do trabalho, muitas coisas que antes eram consideradas verdades absolutas no meio corporativo estão sendo questionadas e ficando para trás.

Os gerentes estão precisando aprender a avaliar o trabalho que as pessoas entregam, pois com o trabalho remoto, muitas métricas que eram usadas para avaliar uma pessoa desapareceram, como o horário que a pessoa chega ou sai, se ela faz muitas pausas ou se está com o tela do Facebook aberta no computador, perdem totalmente o sentido.

Enquanto no escritório, as pessoas “boas de relacionamento” influenciavam os outros e quem falava mais tinha destaque, com o trabalho remoto,virtual, isso perde relevância e de repente, o destaque não se trata apenas de quem fala mais, mas sim de quem está realmente fazendo as coisas.
As pessoas altamente sensíveis trazem todas as qualidades do bom líder virtual: ser organizado, confiável e produtivo.
PAS fazem as coisas bem feitas, e buscam o perfeccionismo, também são os membros mais conscientes de qualquer equipe. Como parte de suas características, pensam cuidadosamente nas consequências das ações propostas antes de executá-las.
Os líderes das grandes organizações sabem que precisam mudar e se adaptar, e muitos não sabem como, estão ansiosos por ouvir boas idéias e pessoas dispostas a liderar estas mudanças.
As PAS podem ser estes agentes de mudança que os novos tempos pedem, como um planejador com uma visão ampla, que entrega as coisas, conectando pessoas aos recursos necessários, fornecendo feedback no momento certo para as pessoas, mostrando que liderar é muito mais do que se impor e falar alto.
As Pessoas Altamente Sensíveis podem ensinar às empresas como trabalhar com autogestão, integralidade e propósito, a medida que as PAS constroem um trabalho melhor para o seu traço, constroem um modelo de trabalho melhor para o mundo.

--

--

Fábio Cunha

Explorador do novo mundo das organizações. Especialista em soluções de comunicação e colaboração. Facilitador de práticas de autogestão.