Profissionais de Tecnologia — Soft Skills para a próxima década

Fábio Cunha
7 min readApr 18, 2022

“Quando os especialistas estão errados, geralmente é porque são especialistas em uma versão anterior do mundo.”
Paul Graham

Todo profissional de tecnologia atualmente, independente da função que desempenha, tem também o papel de consultor. Um consultor é aquele que precisa entender um pouco de tudo, traduzir a complexidade da tecnologia em uma linguagem de fácil compreensão e conectar as necessidades de seus clientes às soluções com as quais trabalham. Para cumprir essa missão e ser um consultor confiável para clientes, representantes de vendas e parceiros de negócios, eles precisam entender profundamente os negócios dos clientes, as inovações tecnológicas e os produtos em que trabalham.

Como conseguir isso quando tudo isso está mudando de forma rápida e radical?
Hoje os profissionais de tecnologia não interagem somente entre si e com o departamento de TI das empresas. Para construir soluções complexas que o mundo exige precisam interagir com diferentes personas e entender a jornada dos clientes de seus clientes aplicada a diferentes contextos de negócios.
Na maior parte das grandes empresas já não é mais a área de TI que está a frente da inovação e desenvolvimento de produtos que envolvem tecnologia, a partir desta década os diferentes departamentos estão assumindo o protagonismo no redesenho dos processos e produtos para reinventar seus negócios e a forma que atendem seus clientes.
Habilidades técnicas não são mais suficientes para navegar neste novo cenário, os profissionais de tecnologia precisam cada vez mais entender como os negócios e pessoas funcionam e ter habilidades de colaboração e diplomacia para construir soluções que atendam a diferentes interesses.
Outra exigência é estar sempre antenado, ter fontes para acompanhar as novas tendências e saber interpretar os eventos. Novos negócios que nascem digitais atingem uma escala incrível de uso e se tornam serviços essenciais da noite para o dia e até os produtos, que estes profissionais trabalharam e se especializaram por anos, estão se transformando em uma velocidade que nenhum ser humano consegue acompanhar.
Este não é um desafio apenas para os profissionais de tecnologia, mas para todos os profissionais que vivem neste período da nossa história.
Mais do que tudo, estamos tendo que navegar no mar da incerteza, há muito tempo se fala que o mundo depois de 2020 seria VUCA (Volátil, Incerto, Complexo, Ambíguo) e agora estamos vivenciando a incerteza em toda as sua magnitude, não sabemos como será a próxima semana, não temos ideia do colapso econômico e social, e do mundo que vamos viver daqui a um mês.

Que habilidades precisam ser desenvolvidas?

O historiador Yuval Nohal Harari em seu livro 21 lições para o século 21 aponta que as duas principais habilidades para esta era são: Adaptabilidade e Autoconsciência e Inteligência Emocional.
O Fórum Econômico Mundial em suas conhecidas publicações indica que as habilidades mais importantes para 2025 envolvem a resolução de problemas complexos, pensamento crítico e sistêmico, trabalho com pessoas e a autogestão que inclui estratégias de aprendizagem ativa e resiliência, — tolerância ao estresse e flexibilidade.
Estamos sendo convidados a mudar a forma que percebemos o mundo, a forma que nos relacionamos com os outros e com nós mesmos e a sair do isolamento.
Tradicionalmente, as empresas de tecnologia priorizam o aprendizado técnico, o foco de desenvolvimento dos profissionais tem sidos apenas o aprimoramento e especialização naquilo que as pessoas já fazem, adquirindo cada vez mais conhecimento e competências em torno do que já sabem.
Uma pesada estrutura de certificações técnicas tem sido uma tentativa de atualização destes profissionais com as novas tecnologias.
O tema de Soft Skills não é novo, muitas empresas na última década começaram a trabalhar estas habilidades, porém a abordagem tradicional tem sido a mesma usada para a aquisição de conhecimento técnico, disponibilizando trilhas de treinamentos gravados sobre inteligência emocional, comunicação, negociação, entre outras habilidades.
Esta abordagem não é efetiva para as habilidades que precisamos desenvolver. É chegado o tempo de um novo tipo de desenvolvimento pessoal, não se trata apenas de aprender coisas novas, mas também de transformação pessoal — mudando a maneira como conhecemos e entendemos o mundo. Essa tranformação diz respeito à forma como alguém pensa, sente e sua capacidade de pensar de maneiras mais complexas, sistêmicas, estratégicas e interdependentes.
Um estudo recente da Deloitte sobre o futuro do trabalho dividiu as habilidades necessárias para a próxima década em quatro categorias, com uma ordem sugerida de desenvolvimento.

  1. Primeiras habilidades:
    - Adaptabilidade
    - Colaboração e Trabalho em Equipe
    - Inteligência emocional
    - Empatia
  2. Habilidades Empreendedoras:
    - Curiosidade
    - Iniciativa
    - Criatividade e inovação
    - Fazer acontecer
  3. Habilidades de Trabalho
    - Gerenciamento de tempo
    - Profissionalismo
    - Apresentações / Oratória
    - Escrita
    - Negociação
  4. Habilidades Técnicas
    - Competências específicas para cada área

As habilidades técnicas continuam sendo extremamente importantes, mas é justamente o desenvolvimento das outras habilidades que potencializa as competências técnicas dos profissionais de tecnologia, permitindo-lhes atuar em contextos de maior complexidade, gerando muito mais impacto nos projetos onde atuam.
Ao continuar priorizando as habilidades técnicas e não criando as condições para a aprendizagem das outras habilidades dentro das corporações, as empresas podem estar de forma inconsciente trabalhando para usa própria obsolecência e de seus profissionais.

Como aprendemos?

“Se você está focado apenas em apagar incêndios e participar de reuniões o dia todo, se você não consegue estabelecer seus limites e ter tempo em sua agenda para aprender, você está preso no presente.”
Alex Bretas

Ninguém ensina uma pessoa que não queira aprender, a responsabilidade é de cada indivíduo, porém as organizações podem ser grandes barreiras para esse processo ou criar condições que facilitem e promovam a aprendizagem.

Uma das teorias que explicam o processo de aprendizagem são os quatro estágios de competência, também conhecido como modelo de aprendizagem competência consciente:
Os quatro estágios sugerem que os indivíduos são inicialmente inconscientes de quão pouco sabem ou de sua incompetência em determinada habilidade. À medida que adquirem essa habilidade, começam a aplicá-la de forma consciente quando necessário, até que em determinado ponto ela é incorporada sem precisar pensar sobre ela, diz-se então que ele adquiriu a competência inconsciente.

As quatro etapas são:

  1. Incompetência Inconsciente
    O indivíduo não entende ou sabe fazer algo e não necessariamente reconhece o déficit. Eles podem até negar a utilidade da habilidade.
    O indivíduo deve reconhecer sua própria incompetência e o valor da nova habilidade antes de passar para o próximo estágio. O tempo que um indivíduo passa neste estágio depende da força do estímulo para aprender.
    - O papel das organizações nesta etapa pode ser colocar os indivíduos em contato com as novas habilidades necessárias e promover o debate sobre como elas podem ser aplicadas no contexto dos negócios.
  2. Incompetência Consciente
    Embora o indivíduo não entenda ou saiba fazer algo, ele reconhece o déficit, bem como o valor de uma nova habilidade para lidar com o déficit. Cometer erros pode ser parte integrante do processo de aprendizagem nesta fase.
    - Nesta etapa as organizações precisam criar o espaço e as oportunidade para a prática das novas habilidades, colocando os profissionais em contato com contextos de maior complexidade ou criando novos projetos. A prática de feedback regular também é extremamente importante.
  3. Competência Consciente
    O indivíduo entende ou sabe como fazer algo. No entanto, demonstrar a habilidade ou conhecimento requer concentração. Ela pode ser dividida em etapas, e há um forte envolvimento consciente na execução da nova habilidade.
    - A organizações continuam apoiando o desenvolvimento da habilidade, celebrando e valorizando a sua aplicação.
  4. Competência inconsciente
    O indivíduo teve tanta prática com uma habilidade que se tornou uma “segunda natureza” e pode ser realizada facilmente. Como resultado, a habilidade pode ser executada durante a execução de outra tarefa. O indivíduo pode ser capaz de ensiná-lo a outros.
    - A aprendizagem passa a acontecer entre os pares. A organização é responsável por criar a estrutura e rituais para o compartilhamento de conhecimento.

Seguindo esse modelo, um bom começo é falar sobre o contexto atual e as competências necessárias, trazer luz aos pontos cegos que cada profissional e organização possa ter sobre determinadas competências e permitir que cada um identifique em que ponto da jornada está em cada uma delas.

  • Quais habilidades eu quero aprender?
  • Quais habilidades eu preciso praticar?
  • Que habilidades posso ensinar e apoiar o desenvolvimento de outras pessoas?

Essas são perguntas que devem ser continuamente feitas por cada indivíduo que podem criar uma equipe que aprende em conjunto.

Qual é o papel da empresa no processo de aprendizagem?

A aprendizagem ativa e criação de estratégias de aprendizagem pessoal é uma das principais habilidades identificadas pelo Forum Econômico Mundial para 2025. A aprendizagem é um processo de conhecimento autodirigido em que cada indivíduo assume o papel principal na sua própria evolução.

Não é mais uma tarefa restrita ao RH cuidar de “treinamento” cada indvíduo e liderança deve assumir o protagonismo pela sua aprendizagem e de sua equipe.
O profissional que esperar que a empresa determine o que ele deve aprender e se limitar a receber conteúdo, está condenado à obsolescência.
Da mesma forma as empresas que não se tornarem organizações que aprendem, não removerem as barreiras para a aprendizagem e não criarem os espaços necessários para a aprendizagem contínua ocorrer, também estarão condenadas à obsolescência.

Uma organização que aprende precisa muito mais do que treinamentos formais, ela cria oportunidades para que as pessoas tenham experiências transformadoras e fornecem o suporte para as pessoas entenderem e integrarem os insights dessas experiências.
A liderança é responsável por fazer o convite para essa nova forma de aprender, para juntos todos experimentarem novas habilidades e criar um espaço psicologicamente seguro onde o aprendizado possa ocorrer.
A aprendizagem deve ser estimulada e praticada por meio de rituais e artefatos presentes nas atividades cotidianas.
Temas como Soft Skills, desenvolvimento pessoal, contexto do mundo atual e cenários futuros precisam estar vivos e presentes em reuniões regulares de negócios, planejamentos e revisões de performance.

Esse movimento pode começar com algumas ações:

  • Convide as pessoas a conhecer e refletir sobre as habilidades necessárias para a próxima década.
  • Crie espaços abertos de interação onde as pessoas podem falar sobre os desafios que estão enfrentando e quais caminhos e soluções estão criando para se atualizar.
  • Crie pequenos grupos de prática onde as pessoas possam aprender juntas e obter feedback umas das outras sobre determinadas habilidades
  • Conecte-se com projetos e pessoas de fora da organização, onde possam colocar novas habilidades em prática e receber suporte. Compartilhe os aprendizados dentro e fora da organização.
  • Estabeleça a prática regular do compartilhamento de lições aprendidadas e feedback dentro das equipes.
  • Jornadas de Aprendizagem Ágil onde durante uma semana os próprios colaboradores compartilham aquilo que sabem de um forma dinâmica e colaborativa são excelentes iniciativas para escalar e formentar a aprendizagem.

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Fábio Cunha

Explorador do novo mundo das organizações. Especialista em soluções de comunicação e colaboração. Facilitador de práticas de autogestão.