Transição, transformando o nosso mundo

Fábio Cunha
4 min readOct 11, 2022

Passamos mais tempo de nossas vidas no trabalho do que em qualquer outra atividade. É em torno do trabalho que, muitas vezes, está a escolha das formações, o local de moradia e o círculo de amizades.

No Brasil, ainda é muito comum que as pessoas comecem a trabalhar muito jovens e permaneçam por muito tempo na mesma empresa ou no mesmo ramo. Tudo o que vivenciamos no trabalho tem um impacto muito profundo na construção da nossa personalidade, influenciando as crenças, comportamentos e visão de mundo. Por isso, acreditamos que mudar o mundo do trabalho muda o mundo. Porque aquilo que aprendemos e vivenciamos neste espaço, torna-se um modelo que aplicamos em todas as outras esferas de nossas vidas.

A transformação do mundo do trabalho é urgente.

Muitas empresas, hoje, ainda têm uma visão puramente materialista, visando o lucro como seu único objetivo. É com essa visão que as pessoas vão se tornando meros recursos, apenas engrenagens de uma grande máquina que precisa seguir funcionando e crescendo, aumentando a receita e reduzindo os custos.

Quando não consideram outras dimensões importantes, as organizações acabam priorizando o retorno financeiro em detrimento do bem-estar dos colaboradores ou do compromisso ético com a sociedade e o mundo. Fraudes, abusos de poder, violação dos direitos dos trabalhadores, destruição do meio ambiente, discriminação, assédio moral acabam se tornando práticas de negócios tão comuns como fazer um inventário do estoque.

Em muitos casos, a escolha dos líderes é baseada somente pela receita que eles geram, sem levar em conta como cada um deles lida com as questões éticas e trata outros seres humanos.

Pessoas mais sensíveis e conscientes do prejuízo que essa visão limitada causa sofrem muito ao trabalhar em ambientes assim. Um local de trabalho antiético, tóxico e sem cuidado com as pessoas acaba impactando a saúde física e mental de quem está naquele ecossistema, o que, em grande parte dos casos, termina em demissão.

Após uma experiência traumática, muitas pessoas acreditam que não há saída, que a única forma de ter felicidade no trabalho é abandonando o mundo corporativo e que não é possível exercer a sua profissão, aquela que era sua vocação inicial e inspirou a sua formação.

O que é importante observar é que a experiência ruim não têm necessariamente relação com a natureza do seu trabalho ou o fato de trabalhar em uma grande corporação, mas sim com um modelo de gestão totalmente inadequado e exploratório, que ignora as pessoas e o planeta.

As organizações como as conhecemos hoje são simplesmente a expressão da visão de mundo atual dos seus líderes e de boa parte dos colaboradores, mas estamos obviamente em uma transição para um novo estágio de consciência, buscando outras possibilidades que subvertam esse cenário habitual.

A boa notícia é que no mundo todo, incluindo o Brasil, diversos líderes e organizações pioneiras já estão aplicando novos modelos organizacionais que provam ser possível ter sucesso e crescimento financeiro ao mesmo tempo em que reconhecem e respeitam a dignidade das pessoas, atuam para o seu florescimento e evolução e são responsáveis com a sociedade e o planeta.

Os momentos de transição profissional são excelentes, sobretudo quando podemos nos conectar com pessoas que também estão nessa busca por trabalhos que tragam realização. Um movimento que está em franca expansão no Brasil é o Teal, apresentado no livro Reinventando as Organizações, de Frederic Laloux. O termo teal, inspirado nas cores da teoria integral de Ken Wilber, refere a um novo estágio de consciência da humanidade, que traz uma nova forma de trabalhar juntos. Muitas pessoas em transição encontraram no Teal a resposta para eliminar a separação entre o eu “profissional” e eu “real”. As organizações Teal convidam a pessoa a estar inteira em seu trabalho, encorajam seus membros a serem autênticos, abertos a falar sobre questões pessoais e mostrar vulnerabilidade.

Na abordagem Teal, o trabalho passa a ter um significado maior na vida das pessoas. Este significado vem do autodesenvolvimento, do aprendizado contínuo, da criação de algo excelente e duradoura que contribua para a vida das outras pessoas.

O lucro, crescimento e sustentabilidade financeira continuam sendo importantes e honrados como fundamentais para a sobrevivência da empresa, porém, não estão acima de nenhuma das outras dimensões. Há um cuidado especial nos sistemas de metas e remuneração para garantir este equilíbrio. A felicidade e bem-estar das pessoas, espaços seguros de expressão e criatividade onde as pessoas possam desenvolver seu propósito está no centro da razão de existir da organização. O que garante o equilíbrio é um forte compromisso ético com princípios como a honestidade, responsabilidade social e respeito ao meio ambiente.

O objetivo da organização deve ser melhorar a sociedade e contribuir para o bem comum. Para atingi-lo, as organizações Teal não podem depender somente da intenção e boa vontade dos líderes e colaboradores, uma nova estrutura organizacional, com práticas e rituais bem definidos é essencial. Estas organizações são regidas por três pilares básicos: o propósito evolutivo, a autogestão e a integralidade.

Essa abordagem tem sido uma resposta para as pessoas sensíveis que buscam uma nova forma de trabalhar respeitando a humanidade como um todo e a sua própria.

O mundo passa por enormes desafios, de grande complexidade. Precisamos cada vez mais de líderes que estejam verdadeiramente atentos aos problemas que o mundo enfrenta e suas relações de interdependência. Precisamos de líderes que se comprometam a servir à evolução de nossa sociedade.

A transição para um novo jeito de trabalhar não é simples, ainda há muito a conhecer, conectar, testar e aprender.

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Fábio Cunha

Explorador do novo mundo das organizações. Especialista em soluções de comunicação e colaboração. Facilitador de práticas de autogestão.